26 de fevereiro de 2012

Dois irmãos

Editora Companhia das Letras - Capa Jeff Fisher

Tem algo mais inusitado do que a história de dois irmãos chamados Yaqub e Omar em Manaus na época da ditadura? Pois é, esse Brasil é um mundão que a gente às vezes nem faz ideia... Milton Hatoum, ele também descendentes de libaneses do meio da Amazônia, escreveu esse livro no final da década de 90, e é um autor contemporâneo brasileiro que eu gostei de descobrir. Publicando seus - poucos - livros já na maturidade, sua história é bem escrita, com profundidade tanto na construção da narração como no perfil psicológico dos personagens.

Este foi o livro de fevereiro do meu clube de leitura, e deu um bom debate sobre esses Esaú e Jacó modernos, os irmãos gêmeos que tem uma relação de ódio construída na infância com boa colaboração da mãe. Foi interessante perceber que, apesar do livro ser escrito em 3a pessoa pelo filho da "empregada" da casa (garota que foi acolhida em sua adolescência para fazer os serviços domésticos, naquela relação típica de escravidão do meio do século passado), quem é mãe compreende mais esta personagem, e quem não é, percebe mais o ponto de vista dos irmãos.

Embora tenhamos um panorama da família, o pai que não queria filhos, o comércio em Manaus, a vida na comunidade, um pouco da ditadura, o tema principal mesmo é o ódio entre Yaqub e Omar. Incomoda muito ver um sentimento tão ruim e como o círculo vicioso de raiva não é quebrado. Incomoda mesmo. Se prepara.

22 de fevereiro de 2012

Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil

Editora Leya - Capa Ana Carolina Mesquita

Na orelha do livro, o autor Leandro Narloch já diz que este é uma provocação, "uma pequena coletânea de pesquisas históricas sérias, irritantes e desagradáveis, escolhidas com o objetivo de enfurecer um bom número de cidadãos." E ele cumpre o objetivo com primor, porque mesmo que não se enfurece - como eu - fica bem incomodado com alguns capítulos que levam por terra muito daquilo que é nossa identidade nacional e o que a gente entende como "Brasil".

Alguns fatos reexplicados são bem fáceis de engolir: como o fato da feijoada não ter sido um prato inventado pelos escravos nas senzalas - já que parece mesmo uma adaptação de pratos de feijão e carne como o Cassoulet francês, e que os desfiles de escola de sambas foram criadas por um Getúlio Vargas facista rumo a uma criação de uma identidade nacional bem ordenada - como uma parada nazista tropicalizada. Mas o "outro lado" de histórias como a guerra do Paraguai e da invenção do avião (é, gente, não foi mesmo o Santos Dumont, e isso também vale para o relógio de pulso) são bem mais difíceis de lidar, e fica aquele amargo na boca, de quem se sente enganado por tanto tempo.

Muito mais inesperado é saber que tivemos uma monarquia tão "moderna" e quase republicana e a verdadeira história sobre o Acre (que existe mesmo, dado o tamanho prejú que incorre ao país por sua conta). Já a parte mais politicamente incorreta, num tempo de cotas, é sobre índios e escravidão que deve fazer políticos e humanitários arrancarem os cabelos da cabeça (ou quererem calar o Narloch desesperadamente).

Gostei muito desse livro, que é muito importante para reativar nossa capacidade crítica e lógica ao ver a história do Brasil - lembrando de procurar fatos e não ideologias.

17 de fevereiro de 2012

Uma breve história do mundo

Editora Penguin - Capa Cathy Larsen

Entrei finalmente na onda de ler livros de história. Não me entendam mal, eu gostava relativamente de história na escola (não como literatura ou matemática), mas sempre por causa dos professores. Eles que sabiam (ou não) fazer tudo ficar bem mais atraente. No caso de livros, novamente, está tudo na mão do autor (e obviamente não da história em si, que pode ser um fantoche mesmo).

Fui supreendida positivamente com esse livro do Geoffrey Blainey, que eu prefiro traduzir como "Uma história muito curta do mundo", já que ele mesmo disse na introdução que ao escrever seu primeiro livro ( "Uma história curta do mundo"), recebeu críticas que ainda estava muito longo, então ele fez essa versão ainda mais compacta (450 páginas da pré história a até - quase - hoje).

Seu desafio é realmente contar o que "importa" filtrando muito do que é interessante, mas não tão essencial assim. Blainey consegue isso, escrever um todo fluido e coerente, incluindo passagens sobre costumes e hábitos das pessoas comuns de cada época e região - o que é muito legal - e não deixando de citar povos e fatos fora do eixo Europa - Estados Unidos, principalmente da Oceania, já que ele é australiano.

O livro é denso, cada assunto ocupa basicamente um parágrafo, mas a leitura vai fácil e rende. Vale a pena para matar as saudades de bons professores e guardar uns fatos curiosos para jogar numa conversa entre amigos.

13 de fevereiro de 2012

Antologia Poética

Editora Nova Fronteira - Capa João Baptista da Costa Aguiar

Para marcar os 90 anos da Semana da Arte Moderna de 1922, quero falar do meu poeta favorito, Manuel Bandeira, que teve seu poema  "Os sapos", uma crítica ao movimento Parnasiano, lido em um dos dias do evento no Teatro Municipal de São Paulo.

Nem sei dizer o porquê de eu gostar tanto de Manuel Bandeira, ou se for para dizer uma razão, é bem por causa da sua obra: entre poesias de amor e humor, vida e morte, lirismo e sarcasmo, rimas e sonoridade, esse poeta me encanta.

Para apreciar todos os seus 80 anos de poesia, o livro que eu tenho dele é Antologia Poética, organizados por publicação. São muitos os poemas famosos - quem nunca quis ir embora para Pasárgada? - mas o meu preferido, que me emociona e arrepia, é Madrigal Melacólico, de 1920, que eu deixo aqui para ser declamado - respeitando as vírgulas e pontos.

Madrigal melancólico

O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e incerteza.
O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento,
Graça que perturba e que satisfaz.

O que eu adoro em ti,
Não é a Mãe que já perdi.
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai.

O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti - lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.

9 de fevereiro de 2012

As Aventuras do Senhor Pickwick

Editora Vintage
O primeiro livro que eu li de Charles Dickens foi As Aventuras do Senhor Pickwick, lá pelos meus 12 anos. Era enorme e antigo, mas foi recomendando por uma amiga (da mesma idade) como sendo divertido, então eu encarei e não me decepcionei. A história é leve e tem o personagem mais engraçado do Dickens, Sam Weller.

O rico senhor Pickwick do título mantém um clube, que não é bem explicado, mas é como uma associação de amigos que trocam ideias sobre a vida em geral (registrando tudo em documentos, os papéis do título em inglês que foram lidos para recontar a história pelo narrador). Este é o mote para colocar em foco e satirizar a sociedade interiorana, a política inglesa, a prática de jornalistas, advogados, pastores e médicos, além de, é claro, os relacionamentos humanos amorosos. No entanto, a narrativa é de um ponto de vista inocente - para não dizer, cínico - em que mesmo bebedeiras (não poucas!) são descritas de uma forma isenta, deixando que a crítica seja formada em nossa mente.

Mas quem rouba a cena mesmo é Samuel Weller que aparece num capítulo como engraxate e faz tanto sucesso que, (como nas novelas atuais), foi promovido a personagem principal ao ser contratado como criado pessoal do Sr. Pickwick. Ele e seu pai tem o tal do sotaque cockney das ruas de Londres (trocam "v" por "w" e vice-versa) e falam frases de sabedoria sobre tudo com uma estrutura particular que, por causa deles, são chamadas de "Wellerismos" (vou citar em inglês, com uma tradução simplificada para português):

“Sorry to do anythin’ as may cause an interruption to such wery pleasant proceedin’s, as the king said wen he dissolved the parliament,...”
"Desculpe-me fazer qualquer coisa que pode causar interrupção a procedimentos tão prazeirosos, como disse o rei quando ele dissolveu o parlamento,..."

"Ven you’re a married man, Samivel, you’ll understand a good many things as you don’t understand now; but vether it’s worth goin’ through so much, to learn so little, as the charity-boy said ven he got to the end of the alphabet, is a matter of taste."
"Quando você for um homem casado, Samuel, você vai entender um monte de coisas que você não entende agora, mas se é válido passar por tanto, para aprender tão pouco, como disse o estudante de bolsa quando ele chegou ao final do alfabeto, é uma questão de gosto."

Gostei muito de reler esse livro, e recomendo para quem quiser começar com algo leve (em conteúdo, não em papel impresso) de Charles Dickens.

7 de fevereiro de 2012

Charles Dickens


Charles Dickens
Hoje, 7 de fevereiro, Charles Dickens faria 200 anos. Ele nunca chegaria a essa idade, mas nada como números redondos para celebrar a obra do autor inglês tão fantástico e incentivar a leitura dos seus livros. Até o Google entrou na onda fazendo um doodle lindo com os seus personagens:

Google
Embora hoje Dickens seja um clássico, em sua época, era um autor popular: suas histórias saíam em fascículos e eram lidas como novela. Seu sucesso cruzou o Atlântico e ele chegou a viajar para os Estados Unidos, fazendo palestras. Os livros retratam a sociedade britânica do século XIX e particularmente a camada mais pobre da população, que convivia com o trabalho infantil e as prisões por dívidas. Mesmo assim, as histórias possuem um lirismo incrível, com descrições sensíveis e com muitas comparações - é como se você pudesse sentir o ambiente, ver as pessoas, em total sinestesia.

Hoje em dia, há muitos filmes e peças baseadas em suas obras, como Grandes Esperanças, David Copperfiel, Um Conto de Duas Cidades e Oliver Twist. Quem não conhece também os contos de Natal, com o fantasma do Natal Passado, o Natal Presente e o Natal Futuro, que teve adaptações desde Jim Carey até Mickey Mouse?
Durante esse ano, vou reler e recomendar livros do Dickens para vocês. Quem sabe assim você também encontra um dos seus favoritos?

3 de fevereiro de 2012

A Delicadeza

Para colorir mais esse blog, convidei uma das minhas grandes amigas para comentar livros aqui também. A Fér, morando na França, vai contar um pouco da literatura daquele lado de lá.

Editora Rocco


Meu primeiro livro do ano foi um livro francês, “La délicatesse”, de David Foenkinos, publicado no Brasil pela editora Rocco. Este é o oitavo livro publicado pelo autor, que eu não conhecia. “La Délicatesse” está em destaque nas livrarias francesas porque ele deu origem a um filme, que estreou por aqui no dia 21 de dezembro, tendo no papel principal a Audrey Tautou (“O fabuloso destino de Amélie Poulain”, “O Código da Vinci”).


O enredo do livro é bem simples: Nathalie, bela e jovem, romântica e que adora ler, um belo dia encontra François. Eles se apaixonam, se casam e vivem felizes... até que (isto vai parecer spoiler, mas não é) em uma manhã de domingo, François sai para correr e é atropelado. Nathalie vira então uma jovem viúva que mergulha no trabalho para esquecer sua dor. Durante anos, sem deixar de ser bela e feminina e assim despertando o interesse dos homens, ela simplesmente não se interessa por nenhum deles. Até que um dia, de uma maneira totalmente repentina, ela beija um colega de trabalho, Markus, que é tímido, estranho, e, segundo descrição do narrador, “tinha um tipo físico um tanto desagradável, mas também não se pode dizer que era feio”. A relação deles evolui aos poucos, causando estranheza de todos os colegas da empresa.


O livro é escrito em uma linguagem simples, fluida, com capítulos curto. Há um toque de originalidade na estrutura do livro, já que o autor intercala capítulos narrativos com capítulos contando fatos aleatórios ligados a algo citado no capítulo anterior, como por exemplo os resultados dos jogos do campeonato francês no dia em que Nathalie sai para jantar com seu chefe, a lista de cidades que Nathalie e François pretendiam visitar em breve, ou a definição da palavra “delicadeza” no dicionário Larousse.


Fiquei um pouco dividida quanto ao estilo do autor, achei algumas frases poéticas e extremamente bem construídas, e ao mesmo tempo algumas bem clichês. A história é simples, mas ao ler a sinopse me pareceu ter potencial – fiquei um tanto decepcionada no final. A personagem principal, Nathalie, e seu romance com François no início são descritos como tão perfeitos, que para mim chegou a ficar irritante, afastado da realidade. O personagem de Markus também me pareceu interessante no início, mas acho que faltaram mais nuances, mais profundidade. De uma maneira geral, acho que o autor fez um livro muito leve, com uma estrutura muito “delicada”, sem uma maior construção dos personagens e das situações. Talvez fosse sua intenção, mas para mim, deixou uma sensação que o livro é “incompleto”.